
A necessidade de inclusão e treinamento da herdeira mulher no processo de sucessão familiar
1 - INTRODUÇÃO
Ao observar o contexto social atual, percebe-se que desde o advento da Constituição da República tem-se reduzido a desigualdade entre homens e mulheres. Entretanto, a sociedade vivida hoje ainda tem traços patriarcalistas, o que coloca a mulher em situação de desigualdade frente aos homens, especialmente no planejamento sucessório familiar. Nesse contexto, é necessário que as famílias brasileiras fundadoras de empresas adotem uma atitude mais inclusiva das mulheres, preparando-as para assumirem cargos de administração em tais empresas, caso seja de sua vontade.
Este trabalho tem por intuito pesquisar de que forma é possível reduzir a desigualdade de gênero no planejamento patrimonial e sucessório familiar, e como as mulheres devem ser preparadas para assumir os cargos de administração/gestão na empresa familiar, como devem ser tutelados e administrados os bens das herdeiras, trazendo maior igualdade jurídica entre as herdeiras beneficiárias e os herdeiros beneficiários do patrimônio que será deixado pelo autor da herança.
Assim, pretende-se demonstrar se de fato ainda existe desigualdade de gênero no planejamento patrimonial e sucessório familiar e o que fazer para reduzir a discriminação sofrida pela herdeira mulher.
O marco teórico utilizado na pesquisa é a Constituição da República de 1.981 e o Código Civil (Lei 10.406/02), que fundamentalmente orientam as ideias aqui desenvolvidas a respeito da desigualdade de gênero no direito brasileiro, especialmente, na sucessão, no planejamento patrimonial, tendo em vista o atual contexto social brasileiro, com traços patriarcais.
O método científico adotado é o hipotético-dedutivo. A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica em conjunto com a análise da legislação vigente.
2 – O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO
O planejamento patrimonial sucessório é um instrumento jurídico que possibilita ao autor da herança organizar e planejar em vida a destinação que deseja dar ao seu patrimônio após a sua morte. O planejamento sucessório é conceituado por HIRONAKA; TARTUCE (2019, p. 88) como sendo:
o conjunto de atos e negócios jurídicos efetuados por pessoas que mantêm entre si alguma relação jurídica familiar ou sucessória, com o intuito de idealizar a divisão do patrimônio de alguém, evitando conflitos desnecessários e procurando concretizar a última vontade da pessoa cujos bens formam o seu objeto.
Inúmeras são as suas finalidades e objetivos, dentre elas destacam-se, a redução de conflitos entre os herdeiros, a desnecessidade da realização de inventário, a melhor administração e gestão do patrimônio, a proteção dos herdeiros, sobretudo dos incapazes e menores, a redução da carga tributária (em alguns casos), a continuidade das atividades empresariais, a distribuição da herança de forma mais eficiente, o respeito ao princípio da autonomia da vontade, entre outras.
Vários são os instrumentos jurídicos que podem ser usados para a realização de planejamento patrimonial e sucessório. Os mais tradicionais são o testamento, a doação e partilha em vida, a constituição das holdings familiares, trusts e fundos de investimentos, a constituição de previdência privada, a elaboração de acordos de sócios e protocolos/políticas familiares, contratos de seguro, entre outros.
O planejamento patrimonial sucessório permite que o autor da herança, ainda em vida, destine a transferência do seu acervo patrimonial para além de sua morte, realizando a partilha de seus bens como desejar, privilegiando a autonomia da vontade. Contudo, o princípio da autonomia da vontade encontra limites no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em razão da chamada “legítima” que limita o poder de testar.
A “legítima” corresponde à 50% (cinquenta por cento) do patrimônio do autor da herança e é regulamentada pelo artigo 1.829 da Lei 10.406/02 – Código Civil (BRASIL, 2002) que assim dispõe:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
A razoabilidade da “legítima” é muito debatida na doutrina em razão da imposição de se respeitar a obrigatoriedade de destinar para os herdeiros necessários metade da herança. É utilizado o argumento de que a “legítima” concilia no Direito Sucessório a autonomia privada em relação às disposições causa mortis e a proteção da família, reservando aos familiares mais próximos do autor da herança uma proteção de caráter patrimonial (NEVARES, 2019, p. 386).
Para NEVARES deveria haver uma alteração na legislação sucessória, de forma a melhor otimizar o instituto da “legítima” em virtude da atual realidade social, econômica, jurídica e biológica, assim expondo:
Nessa perspectiva, a legislação sucessória deveria prever uma especial atenção aos herdeiros incapazes e idosos e, ainda, aos cônjuges e companheiros quanto a aspectos nos quais realmente dependiam do autor da herança, buscando concretizar na transmissão hereditária um espaço de promoção da pessoa, atendendo à singularidade dos herdeiros, em especial diante de sua capacidade e de seus vínculos com os bens que compõe a herança, e, ainda, atendendo à liberdade do testador quando não se vislumbra na família aqueles que necessitam de uma proteção patrimonial diante da morte de um familiar. (NEVARES, 2019, p. 386-388).
É preciso uma ressignificação da concepção de família. A concepção de família prevista na Lei 10.406/02 – Código Civil (BRASIL, 2002) não mais reflete o perfil das famílias da sociedade contemporânea (TEIXEIRA, 2019, p. 30).
Ademais, a liberdade do autor da herança também encontra limites na proibição dos pactos sucessórios, (NEVARES, 2019, p. 390), nos termos do art. 426 da Lei 10.406/02 – Código Civil (BRASIL, 2002), impedindo que a herança seja objeto de ajuste entre os sucessores, por vedar que seja objeto de Contrato a herança de pessoa viva. É preciso uma revisão da legislação infraconstitucional, de maneira a trazer maior segurança jurídica às operações e ao planejamento patrimonial e sucessório.
3- BREVE HISTÓRICO E A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER
Nos primórdios, o trabalho da mulher era menos valorizado do que o do homem, tendo a mulher sofrido grande discriminação e exploração em virtude do machismo presente na sociedade patriarcal. Diante disso, houve uma sensibilização por parte do Estado, que tendo que intervir, criou as leis protetivas ao trabalho feminino, com o condão de trazer uma isonomia entre as classes e colocar fim à desigualdade de gênero.
CALIL ao tratar deste assunto, destaca:
As mulheres livres (leia-se: brancas), apenas para não deixar de lhes fazer nota, compunham uma pequena minoria durante os tempos de Brasil colônia, quando comparadas com a quantidade de colonos que vinham tentar fortuna no novo mundo ou obrigados, por terem sido degradados como pena por algum crime cometido. Muitas delas, órfãs enviadas de Portugal justamente para povoar as novas terras, tinham como único papel social o de esposa. A expressão “branca para casar, negra para trabalhar”, corrente na época, traduz bem essa mentalidade. (CALIL, 2007, p. 19/20).
Em seguida, completa que:
Apenas às mulheres de família remediadas era possível exercer o papel de guardiã do lar e da família; às de famílias pobres e às escravas restava somente trabalhar por seu sustento e enfrentar o preconceito que tal gesto causava em uma sociedade que via o espaço público como domínio privativo dos homens. (CALIL, 2007, p. 22).
Importante ressaltar, entretanto, que a história da mulher não é marcada apenas por derrotas e dificuldades, conforme ressalta CANTELLI:
Mas é preciso notar-se, por outro lado, que a história da mulher no mundo do trabalho tem sido também uma história de lutas, de conquistas, de avanços. Na verdade, também fora do trabalho ela muitas vezes opõe contra poderes aos poderes masculinos. Assim, apesar de ter sido marcado pela discriminação o movimento não é linear, mas sinuoso com idas e vindas, derrotas e vitórias. (CANTELLI, p. 27).
No princípio, a mulher dedicava-se somente aos afazeres domésticos, não tendo participação no mercado de trabalho, sendo tarefa apenas do homem trabalhar fora para garantir a sustentabilidade da família. Entretanto, com o passar dos anos, tal situação foi se modificando e a mulher conquistou alguns direitos e garantias, por meio de um amparo legislativo.
A partir da Constituição de 1.937 as mulheres começaram a ter algumas garantias reconhecidas, entre estas, a igualdade salarial entre ambos os gêneros, o descanso remunerado anteriormente e posteriormente ao parto, a proibição do trabalho em condições insalubres, entre outras.
Somente com a advento da Constituição de 1.988 é que foi introduzido o princípio da igualdade, positivado no artigo 5º. Em seu inciso I, pode-se observar a disposição da igualdade entre os gêneros tanto nos direitos, como nas obrigações, demonstrando que tal princípio basilar é uma das normas da República Federativa do Brasil.
Para CALIL:
[...] O princípio da igualdade, ou isonomia, não se restringe a tratar todos igualmente de forma absoluta, pois, assim, em alguns casos ocorreria um tratamento desigual. Segundo Aristóteles, a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. (CALIL, 2007, P.49/50).
A doutrinadora Denise Pasello Valente Novais afirma o seguinte:
O reconhecimento da heterogeneidade e da pluralidade nas tramas sociais, torna possível argumentar que homens e mulheres, a despeito de suas diferenças, são iguais em dignidade e merecem igualdade de tratamento e de oportunidades. (NOVAIS, 2005, P.28).
Com o surgimento do princípio da igualdade, é certo que houve uma redução da discriminação contra as mulheres e uma paridade de chances e oportunidades. Pode-se falar até mesmo em um reconhecimento da mulher como um ser capaz de trabalhar fora e de ser independente.
Entretanto, a questão da igualdade entre o homem e a mulher não é solucionada apenas pela lei. Nas palavras de PINHO:
A igualação nas condições não se resolve só pela lei. Não é suficiente que a norma estabeleça, por exemplo, uma reserva de vagas exclusivas para mulheres; é necessária uma obra de base, de fundo e não apenas de forma, e um direcionamento adequado para que elas venham ocupar efetivamente este espaço. É importante que os programas governamentais e os projetos de lei, que tenham por escopo oferecer igualdade de oportunidades e reparar os danos causados pela discriminação negativa, levem em conta a realidade socioeconômica da mulher brasileira. (PINHO, 2005, p.114)
A participação da mulher não apenas no mercado de trabalho, mas em todas as atividades da vida, equivalente à participação do homem, logicamente, observadas as peculiaridades físicas de cada gênero, é primordial para o desenvolvimento econômico e social do país e do mundo.
Portanto, tal princípio deve ser inafastável, com o objetivo de suprir todo e qualquer tipo de discriminação, preconceito, ou pelo menos, diminuí-lo ao máximo, gerando assim, condições econômicas e sociais para a igual participação da mulher em todas as atividades.
A vedação da exploração do trabalho da mulher, a igualdade salarial entre os gêneros, a proteção ao mercado de trabalho feminino foram algumas das conquistas percebidas pela mulher, em virtude da observância deste significativo e valioso princípio.
É certo que houve uma evolução do trabalho da mulher, tendo a mulher superado preconceitos e discriminações, alcançando um espaço cada vez maior no mercado de trabalho.
A Constituição da República de 1.988, no intuito de combater qualquer tipo de discriminação, assegura o seguinte:
Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:
(...)
XXX: proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
A Consolidação das Leis Trabalhistas, por sua vez, traz um capítulo que dedica-se a tratar da proteção do trabalho da mulher. Em seu artigo 372, é exposto tal proteção:
Art. 372: Os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este capítulo.
Já o artigo 373-A da CLT, dispõe sobre a vedação das discriminações contra a mulher. Importante frisar que este amparo legislativo é mais do que necessário, com o fim de assegurar as mesmas oportunidades trabalhistas à ambos os gêneros, vedando desta forma qualquer tipo de exploração do trabalho da mulher. Ressalta-se ainda, que tais leis, não tem o intuito de prejudicar ou de colocar em desvantagem o trabalho do homem, mas tão somente, de proporcionar a igualdade entre os gêneros, nas relações de trabalho.
Hoje, pode-se afirmar que existem diversos recursos no intuito de combater algumas formas de discriminação sofrida pela mulher no ambiente de trabalho. Inclusive, está assegurado, por meio da prestação jurisdicional, o direito de pleitear indenização quando comprovadas tais práticas discriminatórias.
Nesse sentido, com a criação das leis protetivas à mulher e das medidas punitivas para aqueles que a discriminam, houve uma redução significativa dos preconceitos e discriminação contra este gênero. Não se pode dizer, no entanto, que estas práticas chegaram ao fim.
Em virtude da grande discriminação e exploração sofrida pela mulher nos primórdios e em razão da desvalorização de seu trabalho comparado ao trabalho exercido pelo gênero masculino, houve uma sensibilização por parte do Estado, que tendo que intervir, elaborou as leis protetivas ao trabalho feminino, com o condão de trazer uma isonomia entre os gêneros, além de colocar fim à desigualdade.
Apesar da evolução do trabalho da mulher ao longo dos anos, ainda é patente a necessidade de um amparo legislativo. A proteção ao trabalho da mulher surgiu com o aparecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1.943.
NOVAIS trata sobre esse assunto assim dizendo:
A Consolidação não inovou em relação ao conteúdo legislativo, já que apenas compilou as normas já existentes que cuidavam do trabalho da mulher, especialmente o Decreto n. 21.417-A/32. O texto consolidado abordava, em suas diversas seções, os seguintes aspectos: duração e condições do trabalho, trabalho noturno, períodos de descanso, métodos e locais de trabalho e proteção à maternidade. (NOVAIS, 2005, P. 77)
É notório que a mulher conseguiu superar uma série de preconceitos e sua participação no mercado de trabalho, tem sido cada vez mais percebida. Entretanto, algumas dificuldades ainda persistem.
Segundo CANTELLI (2007, p.114), em áreas onde a escolaridade é elevada e a renda é maior, podemos perceber que a quantidade de mulheres em funções mais complexas e melhor remuneradas tem sido explícita. Contudo, ainda assim, podem haver discriminações escondidas, mesmo nestas hipóteses.
Ainda nas palavras de CANTELLI:
Além disso, elas conquistaram muitos cargos-inclusive de chefia-que antes só eram confiados aos homens. Hoje, estão presentes em todas as profissões. É comum encontrar-se mulheres exercendo atividades profissionais como gerentes de banco, engenheiras, mecânicas, motoristas, etc. No entanto, apesar destas e de tantas outras conquistas, o problema da discriminação, de um modo geral, ainda não foi resolvido [...]. (CANTELLI, 2007, P, 116)
Dessa forma, é extremamente importante prezar pela proteção ao trabalho da mulher, haja vista sua vulnerabilidade nas relações de trabalho e em razão da dificuldade em colocar fim a todos os tipos de discriminação observados.
PINHO afirma o seguinte:
Nas últimas décadas, muitas mulheres conquistaram o mercado de trabalho, principalmente aquelas que não vinham sofrendo com maior intensidade as desigualdades de liberdade e educação A batalha foi ganha mas não a guerra; a mulher viu-se de frente com a designada “dupla jornada de trabalho”: lá fora o labor remunerado; dentro do lar, o cotidiano não remunerado ao qual se agregava o sentimento de culpa pela não integralidade do tempo dedicado aos filhos.[...] (PINHO, 2005, P. 111/112).
Importante ressaltar que, apesar da grande ascensão da mulher no âmbito trabalhista, a dupla jornada de trabalho ainda é muito comum em nossa sociedade. A mulher, além de preocupar-se com as atividades laborais, preocupa-se ainda com as atividades domésticas, no cuidado com os filhos, tendo muitas vezes uma sobrecarga de funções.
Desse modo, e também por estes motivos, é que se faz necessária uma maior proteção ao gênero feminino, buscando uma maior satisfação da mulher nos seus respectivos empregos e consequentemente uma maior produtividade, caso essa seja a sua vontade. Além disso, é cediço que as mulheres possuem uma fisiologia mais frágil do que os homens, sendo primordial a existência de normas que as protejam, facilitando assim, as oportunidades de trabalho para o gênero feminino.
4 – A NECESSIDADE DE INSERÇÃO E PREPARAÇÃO DA MULHER PARA OCUPAR OS CARGOS DE GESTÃO/ADMINISTRAÇÃO NAS EMPRESAS FAMILIARES.
Sabe-se que desde a Constituição da República de 1.988, a mulher vem alcançando cada vez mais um papel importante na Sociedade. Entretanto, ainda há muito para se conquistar. Em regra, a mulher não é treinada e preparada pelo fundador da empresa familiar para ocupar cargos de gestão e administração em tal empresa. Em regra, os herdeiros homens são mais preparados e treinados para assumir os cargos de gestão do que as herdeiras mulheres, tendo em vista os traços de machismo que ainda encontra-se presente na Sociedade atual.
Na seara do planejamento sucessório familiar, infelizmente os homens ainda são mais preparados para ocupar os cargos de gestão e administração, enquanto às mulheres ainda são mais ligadas aos afazeres domésticos, ocupando em menor número cargos de gestão nas empresas familiares.
Na estrutura patriarcal, as mulheres são socializadas com o objetivo de serem responsáveis pela realização dos trabalhos de cuidado com os indivíduos vulneráveis na esfera familiar, seja com as crianças e adolescentes, sejam com os idosos adultos ou com as pessoas vulneráveis devido à situação de doença ou deficiência. (MATOS e HUMMELGEN, 2019, p. 74). Neste sentido, afirma:
Esses trabalhos de cuidado, porém, não apenas ocupam anos na vida de uma mulher adulta, mas também levam muitas a se afastarem do mercado de trabalho produtivo para exercerem os cuidados ao seu familiar vulnerável pelo tempo integral. Ocorre muitas vezes que, em razão do falecimento desse familiar, especialmente quando a cuidadora não é o cônjuge ou companheira do falecido- para qual se aplica o direito real ao usufruto da residência-, como, por exemplo, a filha, ela se encontra em situação de desamparo econômico e estrutural. (MATOS; HUMMELGEN, 2019, p. 74).
Nesses casos, tendo em vista a dificuldade da mulher de reinserção no mercado de trabalho, tendo em vista o longo período em que dedicaram-se às atividades de cuidado, em razão da sua condição feminina, a alternativa que pode ser apresentada é a concessão de habitação ou usufruto do imóvel para essa mulher, até que ela consiga reestabelecer uma renda para atender as suas necessidades. (MATOS; HUMMELGEN, 2019, p.74).
É necessário, portanto, planejar uma arquitetura do planejamento sucessório voltado para a mulher em condição de vulnerabilidade econômica e social. (MAROS; HULMMELGEN, 2019, p.74).
Ainda nas palavras dessas autoras:
(...) na senda da constitucionalização do Direito Civil, o Direito Sucessório precisa igualmente estar pautado nos princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, igualdade e solidariedade-, visando a sua crescente despatrimonialização. (...). (MATOS; HUMMELGEN, 2019, p. 75).
A guisa de problematização, indicamos como a supervalorização do princípio da autonomia privada pode acarretar a reprodução de desigualdades na esfera social; em especial trabalhamos com a hipótese de discriminação de gênero, nos casos em que o planejamento sucessório leva à primazia dos herdeiros homens, em detrimento das herdeiras mulheres-, justamente devido à percepção social de que os homens tem mais aptidões para administrar o patrimônio e/ou a empresa da família. Partimos, nesse ponto, na constatação de que a sociedade está estruturada em uma lógica patriarcal, de modo que às mulheres foi delegado o zelo com o espaço doméstico e as funções de cuidado com os membros mais vulneráveis da família. (MATOS; HUMMELGEN, 2019, p. 75).
Nesse sentido, o planejamento sucessório pode ser usado para proteção da mulher que esteja em situação de vulnerabilidade ou dependente economicamente do fundador da empresa familiar. (MATOS; HUMMELGEN, 2019, p.75/76).
Além disso, os fundadores de empresas familiares devem preparar e treinar a mulher para ocupar cargos de gestão e administração na empresa, da mesma forma em que preparam os herdeiros homens, fazendo com que a empresa perpetue por várias gerações, caso seja da vontade tanto do autor da herança, como da sua herdeira.
O planejamento deve ser não apenas sucessório, mas estratégico do Direito, visando não só a inexistência de processos judiciais, mas o bem estar e a felicidade dos envolvidos.
De acordo com GABRICH:
A sociedade é cada vez mais dinâmica, veloz, e se preocupa com a experiência, o sentir, e, principalmente, em conquistar a felicidade e a paz social. Vive-se uma era que busca a minimização dos conflitos e o menor custo (compreende-se, aqui, o menor tempo, a menor despesa financeira e o menor transtorno emocional), com o melhor resultado possível.
Imprescindível, pois, que o Direito evolua e acompanhe as transformações e desejos sociais, é preciso encará-lo como a Ciência do “sim” e não mais como sinônimo de conflito. Imperioso enxergá-lo como a Sabedoria que busca estabelecer alternativas aos problemas da comunidade, ofertando mecanismo de soluções mais céleres e efetivos, que resultem numa maior paz, felicidade e satisfação social, como os mecanismos da mediação, da conciliação e da arbitragem. Evidente, pois, a necessidade de alteração não apenas dos dogmas tradicionais de ensino do Direito, mas também das normas, da gestão estatal, do Poder Judiciário e do próprio modelo mental dominante na esfera jurídica
(GABRICH, et. al, 2017, p. 229).
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mulheres ao longo do tempo são silenciadas e diante da sociedade atual com traços ainda patriarcais, a mulher para ser reconhecida deve fazer algo excepcional para ocupar o mesmo lugar que o homem no mercado de trabalho. Existe o preconceito de que é proibido demonstrar feminilidade em cargo de poder. A liberdade de expressão ainda é apenas verbal. No que diz respeito ao planejamento sucessório, a pandemia da COVID-19 despertou em muitas famílias brasileiras a busca pela realização da sucessão tendo em vista a incerteza sobre quanto tempo de vida os fundadores das empresas familiares ainda continuarão no comando/na gestão da empresa.
Em decorrência da complexidade social e das relações sociais e econômicas existentes, o planejamento patrimonial e sucessório é um mecanismo jurídico estratégico que pode ser utilizado para continuidade das atividades empresariais pelas empresas familiares, preservando a função social da empresa e o princípio da autonomia da vontade do autor da herança.
A mulher precisa ser inserida na sociedade como independente e por isso deve ser treinada e preparada para ocupar os cargos de gestão e administração na empresa familiar da mesma forma em que os patriarcas preparam o homem herdeiro. É necessário romper padrões. Ou seja, a mulher deve sair do lugar de dominação. Deve acabar com o pensamento jus naturalista de que a mulher para ocupar um lugar de poder que ela precisa ser excepcional.
A mulher quando causa menos incômodo, tendencialmente é mais enxergada pelo homem. É necessário reconhecer a performance para que haja uma ressignificação. Eu me reconheço e reconheço o outro a partir dos meus relacionamentos. A partir das relações subjetivas é que reconhecemos o outro.
Nesse sentido, para que haja a redução da desigualdade de gênero no planejamento patrimonial e sucessório familiar, a mulher devem ser preparada para assumir os cargos de administração/gestão na empresa familiar.
Fonte: Priscila Andrade Reis Villela>
Data: 25/04/2025>